Expulsões de estrangeiros crescem 85% em 2019 e chegam a 1,2 mil
Nova Lei de Migrações possibilita a expulsão apenas para estrangeiros com sentença transitada em julgado
BRASÍLIA — O número de expulsões de estrangeiros decretadas pelo Ministério da Justiça em 2019 cresceu 85% em comparação com 2018. De acordo com dados da pasta comandada pelo ministro Sergio Moro, 1.238 pessoas tiveram decretos de expulsão expedidos no ano passado. O aumento desse tipo de ação vem numa crescente desde 2017, quando foi aprovada a nova Lei de Migrações. Em 2015, por exemplo, apenas 22 estrangeiros foram expulsos.
Ao lado da deportação e da extradição, a expulsão é uma das três medidas que o Estado brasileiro pode usar para obrigar estrangeiros a voltarem para seus países de origem. As três medidas estão previstas na legislação brasileira e servem a propósitos diferentes.
A extradição é a entrega de um estrangeiro em território brasileiro para que cumpra pena ou responda a um processo em outro país que possua tratado de extradição com o Brasil. A deportação, por sua vez, é o retorno compulsório de um estrangeiro por causa da entrada ou permanência irregular no país. Inclui casos, por exemplo, de pessoas que chegam em aeroportos sem visto ou que ultrapassam o tempo de estadia permitido. A expulsão é aplicada quando estrangeiro é condenado no país por crime doloso, como tráfico de drogas.
Apesar de ter determinado a expulsão de mais de 1,2 mil pessoas, o Ministério da Justiça afirma que o número de retiradas efetivamente efetuadas é menor. Cabe à Polícia Federal cumprir a determinação do MJ. Procurada pelo GLOBO, a PF não respondeu quantas expulsões foram, de fato, efetivadas. O aumento no volume de decretos de expulsão em 2019 ocorreu, segundo o Ministério da Justiça, por conta de um mutirão realizado pelo Departamento de Migrações (Demig).
A nova Lei de Migrações, aprovada em 2017, possibilita a expulsão apenas para estrangeiros com sentença transitada em julgado, ou seja, quando não há mais possibilidade de recursos na Justiça. Ao mesmo tempo, a norma tornou mais claros os casos em que a expulsão não pode ser aplicada.
Para a professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso, o aumento das expulsões é resultado dessas regras mais claras e transparentes.
— Permanece no Brasil quem tiver visto correto, documentação em dia e não tiver contas a acertar com seus países de origem. O Brasil não pode ser considerado paraíso para esconder terroristas, criminosos, tanto comuns como do colarinho branco — avalia a professora da USP.
Mais imigrantes
Além da mudança legislativa e da nova postura do governo Jair Bolsonaro em relação ao tema, a advogada Marielle Brito, especialista em Direito Internacional, acredita que o aumento no número de estrangeiros no país — sobretudo venezuelanos, bolivianos e haitianos — também pode ter contribuído com o avanço na multiplicação de decretos de expulsão emitidos no ano passado.
Após uma queda constante entre 1990 e 2010 no número de migrantes no Brasil, a presença de estrangeiros voltou a crescer na última década, indo de 592,6 mil para 807 mil, segundo o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Organização das Nações Unidas (ONU). Contribui para esse número o aumento de refugiados no país — de 5,2 mil para 96 mil em 2019.
— Os expulsos são pessoas que foram condenadas criminalmente, não têm mais o direito de permanecer em solo brasileiro — diz a advogada Marielle Brito.
Em alguns casos, mesmo após a decisão de expulsão, a medida pode ser revogada pela Justiça. Foi o que aconteceu com uma boliviana que teve sua expulsão determinada em janeiro de 2019. Ela teve seu reingresso no Brasil proibido por 19 anos. A decisão do Ministério da Justiça ocorreu após a condenação dela a 4 anos de prisão por tráfico de entorpecentes. A boliviana, entretanto, tinha dois filhos no Brasil e era casada. A expulsão foi revogada por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“Desse modo, ao contrário do que afirma (o Ministério da Justiça), estão configuradas as hipóteses excludentes de expulsabilidade, razão pela qual (a expulsão) deve ser anulada”, escreveu o ministro do STJ Og Fernandes, em sua decisão.
O governo brasileiro tem usado mais tecnologia — como sistemas de cruzamento de dados — para avaliar situações passíveis de expulsão, extradição ou deportação de estrangeiros no país. A tecnologia também permitiu o mapeamento de 100 mil solicitações de refúgio apresentados por venezuelanos e um julgamento em bloco que deu a condição de refugiado para 21,4 mil imigrantes do país vizinho.
Ao mesmo tempo em que o processo avança, a demora entre a decretação da expulsão e sua efetivação, tem gerado situações curiosas. No ano passado, um tanzaniano pediu à Justiça a suspensão de sua expulsão, decretada em 2017, mas que até agora não foi executada. Condenado a 12 anos e três meses de reclusão por tráfico de drogas, ele acabou casando com uma brasileira em fevereiro de 2019. Sete meses após o casamento, o ministro do Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, negou o pedido do estrangeiro para permanecer no país.
Nova postura do Planalto
O número de decretos de expulsão cresceram no primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro que, desde o início, prometeu uma política de linha-dura em relação às migrações. As novas diretrizes sobre o tema foram sentidas ainda nos primeiros dias do governo, com a extradição do italiano Cesare Battisti. Condenado à prisão perpétua por quatro homicídios cometidos na década de 1970, quando pertencia ao grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), Battisti admitiu em março do ano passado, em depoimento prestado à justiça italiana, a autoria de dois assassinatos e a participação no planejamento de outros dois.
Na ocasião, o presidente utilizou suas redes sociais para comemorar a prisão do italiano e atacar o PT. Battisti pode ficar no Brasil por causa de um ato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no seu último dia de governo, em 2010.
Na última sexta-feira, Bolsonaro comemorou em suas redes sociais outra extradição relevante, a do espanhol Carlos García Juliá, condenado a 193 anos de prisão no país europeu por ter participado do atentado conhecido por Massacre de Atocha, em 1977. Então integrante de um grupo terrorista de extrema-direita, o espanhol invadiu um escritório de advocacia trabalhista em Madri, localizado na Calle de Atocha, onde fica a maior estação de trem da Espanha, e matou cinco pessoas a tiros. Dois outros homens participaram do crime. Carlos García Juliá chegou a ser preso e a cumprir 14 anos de sua sentença na Espanha, mas obteve liberdade condicional e, em 1994, fugiu para a América do Sul.
— Extraditamos ontem (sexta) para a Espanha o terrorista Carlos García Juliá (…). O Brasil não será mais refúgio de terroristas ou de criminosos — escreveu o presidente.
O criminalista Daniel Majzoub, especializado em Direito Internacional, é favorável à postura adotada pelo governo brasileiro.
— É uma política de não ser nem um pouco hospitaleiro. Pelo contrário, ser hostil ao estrangeiro que vem para o território brasileiro para fugir ou cometer crimes — analisa.